domingo, 22 de julho de 2012

Um tchau a Jacarepaguá

RIO - Não sou exatamente um habitué de Jacarepaguá, falo do autódromo. Longe disso, devo ter estado ali um pouco menos ou um pouco mais de dez vezes, a primeira delas em maio de 2003, uma etapa da Stock Car que teve dois cariocas no pódio, o Sandro Tannuri e o Duda Pamplona, com vitória do meu conterrâneo cascavelense David Muffato. Aquele foi o fim de semana em que ouvi uma das histórias mais incríveis da minha vida, e essa nada tem a ver com automobilismo, mas com vassouras e bistecas, então deixo-a para outra ocasião.

Foi em Jacarepaguá, em dezembro daquele mesmo 2003, que comecei minha carreira de locutor de corridas, na última etapa da Pick-up Racing. Foi no dia em que capturaram o Saddam Hussein, foi a última corrida da vida do Gerson Marques, criador da categoria. Um trabalho que está indo longe, já, quase nove anos, hoje mais voltado a transmissões de tevê e internet que à comunicação com público das arquibancadas. Tenho isso pra contar, é um legado, afinal.

Durante a transmissão do Brasileiro de GT para a Rede TV!, horas atrás, o Kaká Ambrósio, que é da gema e assina nossa reportagem de box, fez um relato apaixonado de algumas de suas experiências em Jacarepaguá, falo sempre do autódromo e não do bairro, a primeira entrevista que ali fez em 1981 com o Raul Boesel numa corrida de Fórmula 1, a vitória de André Ribeiro que presenciou, citou mais alguma coisa. Tudo que o Kaká vai acompanhar agora é a demolição do autódromo.

Havia um acordo judicial, costurado e anunciado aos quatro ventos pela Confederação Brasileira de Automobilismo, garantindo que as marretadas no Nelson Piquet, falo do autódromo, só seriam autorizadas quando um novo autódromo estivesse concluído. Não há novo autódromo, a área que apontaram para isso é inviável por centenas de razões. Não é a vinda dos Jogos Olímpicos a responsável pelo fim do autódromo. Não haverá Jogos Olímpicos ali. O velódromo é inviável. O parque aquático, a céu aberto, idem. Ali hoje há um centro de treinamentos onde ninguém treina, é o máximo a que vai chegar até que as marretadas definitivas deflagrem a inauguração de um pomposo condomínio de luxo, porque Jacarepaguá, falo do bairro, já consta como Barra da Tijuca nas tabelas de cotações imobiliárias desde há muito. Contas bancárias vão engordar, não deve haver lugar no mundo onde quem tem a faca e o queijo nas mãos não aprecie uma boa tábua de frios ou um bom sanduba.

Ouvi durante o fim de semana do GT em Jacarepaguá, falo do autódromo, que a prefeitura aqui do Rio reserva uma verba até considerável à manutenção do autódromo, que de manutenção não recebe nada, há eras não colocam um parafuso novo no autódromo. Há instalações precárias, muito precárias, e confesso meu acesso de curiosidade sobre onde vai parar essa, hã, verba de manutenção. Ficou na curiosidade, sou péssimo investigador, pecado imperdoável para um jornalista, além do que eu tinha coisa bem mais importante a fazer, como dar risada, e ri muito na sexta-feira, lá mesmo, no autódromo, ouvindo boa música sertaneja em companhia de gente do bem. Ninguém que participe do rateio da tal verba, asseguro-lhes.

É errado dizer que o automobilismo do Rio acabou. O automobilismo daqui é forte, tem tradição, despeja há décadas ótimos profissionais no mercado das corridas. Acabou, sim, o autódromo – ok, a pá de cal virá só daqui a duas semanas, com o Brasileiro de Marcas. Há etapa do Moto 1000 GP marcada para Jacarepaguá no começo de dezembro, duvido que os promotores do campeonato não vão transferi-la para outra vizinhança. Quem é daqui vai espernear um pouco mais que quem é de fora, com o tempo as coisas vão se encaixando – já expus esse senso-comum em quantas situações aqui mesmo no BLuc? –, quem trabalha com automobilismo aqui vai se ver trabalhando noutras cercanias, já falam até em transferir as competições do Campeonato Carioca para Interlagos e Belo Horizonte, e acho que nesse caso à alusão correta seria a Santa Luzia, onde existe a pista de corridas do Mega Space. As pessoas se adaptam às coisas, mesmo quando as coisas são ruins, isso é uma das qualidades das pessoas.

No fim, foi legal ter conhecido Jacarepaguá, falo do autódromo a que dei tchau quando de lá saí horas atrás, tenho dessas bobagens comigo. Lamento demais sua morte. Sem corridas aqui, que pretexto vou ter pra vir ao Rio e conhecer o boteco do Cacá Bueno, cuja existência só me foi revelada ontem? Como é que vou descobrir o que havia no subsolo da torre de controle (e também só soube hoje, vi, que a torre tem um subsolo)? Quando é que vou transmitir uma corrida de novo tendo o Rodrigo Mattar como comentarista, algo que armamos no total improviso ontem para os internautas? Quando é que vou voltar com o Fábio Seixas ao Barril 8000 pra terminar de pagar minha aposta futebolística, já que perdi pra ele duas caixas de cerveja e ele só aguentou tomar sete garrafas, com ajuda minha e do Pedro Rodrigo? Será que um dia venho com a Juli e o Juninho ao Rio de Janeiro para voltarmos ao Cristo e andarmos no bondinho, como fizemos duas vezes na carona do calendário de corridas? Se não vier mais ao Rio, estarei condenado a nunca mais me empanturrar dos biscoitos Globo?

E, mais importante que tudo isso: onde o Plotter vai morar?

1 comentários:

Ricardo Sarmento disse...

Luc, assisti à transmissão da corrida do GT Brasil e do Mercedez Challenge, quero parabenizá-lo pelo ótimo trabalho e qualidade da narração.

Enquanto você falava sobre o fim do autódromo, ia me dando nojo em saber que toda essa parte da história automobilística não só carioca, mas também brasileira, está indo pro lixo. Está tendo este desfecho trágico não por razões de ordem desportiva ou mesmo financeira, já que o município do RJ não tinha tantas dificuldades para administrar o autódromo de Jacarepaguá. Tudo isto acabou devido à corrupção, ganância, roubo e outros adjetivos inseparáveis da política brasileiras.

Foi triste ver as últimas imagens dessa histórica pista, palco de exibições memoráveis de corridas das mais variadas categorias. E pior ainda é saber também que nem mesmo a desculpa das olipíadas pode ser usada, já que as construçôes faraônicas erguidas para o Pan de 2007, também devem ser demolidas, já que estão praticamente abandonadas e darão lugar num futuro próximo a condomínios de luxo, já que muito dinheiro deve ter sido envolvido nessas negociatas em relação à compra da área do autódromo.

Por fim, o brasileiro fã do automobilismo deve guardar bem na memória os nomes de Rosinha Garotinho, Carlos Arthur Nuzman (que posa de inocente e bom moço o tempo todo, não duvido nada que ele se cadidate a algum cargo público eletivo num futuro próximo, vendendo o peixe que não pescou) e o maior de todos, o ex-prefeito César Maia, o maior culpado por esse absurdo que a aconteceu à Jacarepaguá.